9 de ago. de 2008

Pequim 2008 e o complexo de inferioridade


Os Jogos Olímpicos são, por excelência, o palco onde a elite desportiva mundial busca a sua afirmação perante as maiores multidões e procura escrever o seu nome na História. No entanto, os Jogos Olímpicos também são — embora muitos não o queiram admitir — um evento político, onde os atletas e nações intervenientes tentam afirmar um qualquer aspecto que lhes é particularmente importante. Rasgos das olimpíadas de 1968 no México lembram-nos Tommie Smith e John Carlos de punho erguido a protestar a discriminação racial nos EUA. Quatro anos mais tarde, nos Jogos de Munique, onze atletas israelitas caíram vitimas da violência palestiniana… Outros exemplos existem, todos os quais indicam que os Jogos Olímpicos têm tanto de desporto como de política.
Seria infantil pensar que as Olimpíadas de 2008 na China seriam diferentes. Embora os líderes chineses insistam que estes Jogos são uma celebração desportiva, existe tanto que nos impede de os olhar dessa maneira. A China está envolvida numa data de assuntos internos que têm limitado a maneira como o mundo considera o regime em vigor. Os exemplos mais gritantes são as reportadas violações de direitos humanos, censura dos canais de comunicação social, corrupção, poluição e abusos dos direitos dos trabalhadores. A nação está também envolvida num número de contendas regionais que a colocam em rota de colisão com o Tibete, Taiwan e Hong Kong. Finalmente, tem também relações diplomáticas com estados de integridade política dubitável, como o Irão, Sudão, Birmânia e Zimbabué. Estas ligações têm levado outras nações a acusar a China de ter um comportamento irresponsável na arena internacional, colocando o seu apetite por petróleo e outras matérias-primas acima dos valões éticos e morais que devem reger o relacionamento entre os povos.
Tudo isto é verdade. A China está longe de ser uma sociedade livre ou um actor responsável da comunidade de nações. Mas, embora todos estes assuntos sejam importantes, não são eles que definem a faceta política das Olimpíadas de Pequim. O que está verdadeiramente em jogo nas arenas chinesas não é a maneira como o governo chinês trata os seus cidadãos ou como a diplomacia do regime irá resolver as contendas que frequentemente a colocam em choque com as demais nações. O que está em jogo é a capacidade da China superar o complexo de inferioridade que define, em larga escala, a psicologia colectiva daquela nação.
Para um ocidental, dizer-se que a China é dominada por um “complexo de inferioridade” é praticamente uma aberração, pois estamos habituados a elogiar (e invejar, até) a capacidade de trabalho chinesa e a ascensão meteórica daquele país ao topo da cadeia económica mundial. Mas para o observador cuidadoso, este complexo está lá, com raízes históricas profundas e reais.
Tudo começa em meados do século XIX, nas Guerras do Ópio, onde a China foi derrotada pelo Reino Unido. Seguiu-se a detenção ilegal de cidadãos chineses a viver nos EUA e a invasão territorial das forças japonesas durante a II Guerra Mundial. A isto juntou-se o desenvolvimento ocidental no período pós-guerra e a explosão tecnológica nipónica durante as décadas de oitenta e noventa. Para o cidadão chinês, estes e outros eventos que aqui não foram referidos estabeleceram um contraste enorme entre a China e o mundo exterior: a China era fraca, os outros fortes; a China era subdesenvolvida, os outros desenvolvidos; a China era retrógrada, os outros modernos; A china era tradicional, os outros inovadores.
Na verdade, o impacto deste antagonismo na consciência colectiva foi tão profundo que inspirou vários movimentos políticos na própria China. Por exemplo, em 1949, quando a Republica Popular da China foi fundada, Mao Tse-tung afirmou que o regime comunista iria garantir que a nação “não seria mais vítima de abusos e humilhação.” O sentimento perdura, e, em 2001, o Congresso Nacional anunciou um Dia de Humilhação Nacional, com o objectivo de recordar as ocasiões na História em que o país tinha sido achincalhado por mãos estrangeiras.
Inspirados por este complexo de inferioridade, os chineses desenvolveram um esforço Herculeano para que os Jogos decorram na máxima perfeição. Desde a imponência arquitectónica do estádio central à nova rede de estradas e aos controles regulares da qualidade do ar, tudo tem sido pensado ao pormenor para que a nação anfitriã brilhe intensamente no maior palco do mundo. O objectivo é claro: organizar as melhores Olimpíadas de todos os tempos. Com os protestantes limitados a duas áreas oficiais de contestação, localizadas longe da azáfama mediática da aldeia olímpica, os chineses viram-se para estes Jogos na esperança que a alquimia das Olimpíadas catalise uma metamorfose na consciência colectiva do seu povo: uma que lhes permita substituir o perdurante complexo de inferioridade por um sentimento de igualdade com o resto do mundo, especialmente o ocidente.
Os Jogos de Pequim são, na sua essência, uma tentativa do povo chinês afirmar a sua posição como nação próspera e capaz no contexto mundial. É a maneira chinesa de dizer: “Nós estamos aqui!”. Tudo está pronto. Tudo está preparado. Mas será o suficiente para os próprios chineses vencerem os seus fantasmas?

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